Acidez no Pão – vantagem ou não?
Sem dúvida, sim. O grande problema é que não estamos habituados e a maioria não gosta.
A nossa intenção não é, de todo, produzir o pão mais ácido da cidade, antes dar um toque de acidez ao pão. Essa sim, fazemos questão que esteja presente. Em primeiro lugar por apreciarmos de verdade. Achamos que enriquece o sabor do pão. Em segundo lugar, já lemos várias vezes, de vários especialistas neste tipo de pão, que a dita acidez é benéfica para a nossa digestão (poderá haver exceções, de pessoas mais sensíveis) mas no geral, é como se “ativasse” microorganismos bons do nosso sistema digestivo.
A paixão por este tipo de pão, começou aí, e nunca nos vamos cansar de repetir. Ao provar o primeiro pão de fermentação lenta, foi amor à primeira vista. E não, não é uma força de expressão, foi literalmente o que aconteceu! Um prazer tão grande, a cada dentada, a cada fatia, dia após dia, enquanto durou. A seguir a urgência em fazer o próximo! Não queríamos ficar sem pão e tínhamos descoberto o pão que nos fazia mais felizes e satisfeitos, de sempre! Pensar que foram imagens e descrições que motivaram a tentar e tentar até conseguir… até tirar o primeiro pão do forno. Cozido em vidro refratário, dado que não havia nem panela de ferro fundido, muito menos forno a lenha. Conferir o sucesso de cada etapa no fabrico; ver o crescimento no forno… a beleza estava lá. Igual ao da “internet” https://girlmeetsrye.blogspot.com/2014/04/tartine-country-bread-my-way.html
Esperar horas até o pão arrefecer devidamente, consolidar o miolo para manter a estrutura bonita que demorou tantas horas a formar-se. Permitir que toda a humidade (elevada hidratação) ficasse retida em cada “fio da teia”, que rodeia as bolhas de ar, que surgem ao longo das horas de todo o processo….
Dica: tirar o pão do forno antes do dormir. Como está muito, muito quente, é preciso esperar certo? Então, aproveite-se a noite. Logo cedinho, estará lá, pronto para o melhor pequeno-almoço.
O que tem na mesa à sua espera? Um pão aromático, que quase faz lembrar frutos secos, ou algo doce, equilibrado com um toque de acidez para não ser demasiado adocicado, outro de gordura que faz o miolo macio e húmido. O crocante caramelizado da côdea traz o toque amargo. É assim o pão que reúne todos os sabores que se pretende em qualquer prato equilibrado, que as nossas papilas gustativas tanto apreciam. Decerto já ouviram dizer que “pão é um alimento completo”. Estas caraterísticas que referimos, estão altamente ligadas aos nutrientes que nos são proporcionados. Mas para não entrar em detalhes demasiado técnicos, continuemos pelas sensações.
Os pães de massa mãe (ou fermento natural ou massa azeda ou massa velha ou de fermentação lenta), têm esse “poder”. De nos deixar saciados (e felizes) com uma fatia apenas. Pode acontecer, no momento da descoberta, no primeiro pão que fazemos ou que vamos à padaria buscar, comer compulsivamente. Como tantas outras coisas que provamos e adoramos. Aquele chocolate, ou aquele gelado, ou aquele naco de carne ou aquele peixe selvagem ou aquele grão de bico incrivelmente delicioso… Em determinada altura ficamos cheios, fartos, sem espaço para nada mais nas (muitas) próximas horas, quase enjoados por se ter devorado o pão. Entretanto passa. Até pode ser que no dia seguinte nem conseguimos pensar em pão, nem olhar para ele. Ainda nos sentimos “agoniados”. Mas a pouco e pouco, voltam as recordações boas. As sensações boas. A crocância, a suavidade, o aroma e o sabor que desconhecíamos ou que já não nos lembrávamos que o pão podia ter. Lembramos do pão da aldeia dos avós ou dos pais. Que se comia durante uma semana ou mais e tinha sido feito esse tempo todo antes e ainda durava no saco de algodão ou de linho, lá no canto fresco da cozinha. Sem uma única pinta de bolor. Só mais seco, duro e firme. Que o calor da torradeira ou do forno, facilmente “derretem”, devolvendo-nos uma fatia ou naco de pão fresco, macio e guloso que tanto nos satisfaz logo cedo ou ao lanche. Ou a qualquer refeição na verdade, como os alentejanos fazem. Pão com tudo. Porque pão também é o alimento dos pobres e basta para sobreviver. Aquela acidez que ele tem, é fundamental também para isso. Para ele sobreviver ao tempo. Sim, há até quem chame “conservante natural”. Podem ser vários ácidos (e parece terrível dito assim, tecnicamente falando, mas é o que é); o mais comum, é aquele também famoso dos “pickles”, o ácido acético, o tão familiar e básico, ácido do vinagre. Talvez dito assim, não seja tão assustador verdade?
Pode ser estranho pensar em “pão com vinagre”, em boa verdade está longe disso. Daí que, a descrição é “leve acidez”. Como se fossem apenas uns salpicos do dito cujo. A diferença é que não foi adicionado, formou-se na própria massa, ao longo da fermentação. Hoje em dia (e como se faz há muito em alguns países) voltou-se a chamar a atenção para alimentos fermentados e o quão benéficos são para a nossa saúde intestinal. O pão não tem esse benefício porque, indo ao forno, os “bichinhos bons” morrem com a temperatura. Fica apenas a acidez residual que permite guardar o pão, sem congelar, sem se estragar e que “diz” ao nosso estômago: aqui tens algo para trabalhar, para equilibrar. É aqui que começa a acontecer a magia. Depois de ter estado na boca mais tempo a ser mastigado, dado que a textura deste pão “mais rijo”, assim obriga. O estômago já começa a desconfiar que vai receber algo de bom e prepara-se para o receber, trabalhando no sentido de alcalinizar, “compensar a acidez”. Daí segue-se toda a absorção de nutrientes que o pão traz. Desde minerais a proteínas, que só conseguimos aproveitar graças à ação da massa mãe na farinha/massa do pão. A isso chama-se, tornar biodisponível. De outra forma, passaria pelo nosso organismo, intacto, sem qualquer vantagem/interesse/nutrição. É o que acontece com o pão “rápido”.
Mesmo em termos de massa mãe, há fermentação e fermentação. A própria massa mãe pode ter várias composições e tempos. Todas essas variantes vão contribuir e afetar de diferentes formas o pão que se tem no final.
Aqui, na Pão da mó, usamos:
massa mãe de centeio integral (isco – 8h) e massa azeda de trigo semi integral (fermento natural – cerca de 12h)
é desta mistura e do tempo que a massa final fermenta no frio, cerca de 18h, que resulta a “nossa” acidez. Foi o perfil que escolhemos. Por ser um fenómeno tão sensível à temperatura, pode acontecer ter pães com mais ou menos acidez conforme o dia da semana ou altura do ano! Salvo raras exceções, quando aquecemos/torramos o pão, mal se nota a acidez. Mais as coberturas que lhe juntamos. Fica “só” um pão muito agradável, que sacia, alimenta, nutre… que nos deixa satisfeitos por boa parte do dia, seja ela qual for. Lá bem “escondida”, a acidez faz o seu trabalho. Por tudo isto e mais, sim, sempre um toque de acidez. Só nos faz bem!
Wilma
Vocês fazem cursos de pães, sou do Brasil e irei passar um mês em Lisboa.
Ana Rocha
De momento estamos sem datas marcadas… Gratos pelo interesse. Boa estadia!